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17 outubro, 2005

A escola primária


Com seis anos, de mochila carregada nas costas com o peso dos livros comprados para aprender novas palavras, despedi-me dos meus pais com um até logo e beijos redobrados dissendo para me portar bem na aula.
Caminhei firmemente até chegar ao portão verde da escola, onde estava uma responsável que me acompanhou até á sala de aula, ai deparei com muitas crianças sentadas nos seus respectivos lugares.
Havia uma mesa vazia onde me sentei e ao mesmo tempo sentia um calinfrio por todo o corpo, pensava como seria a minha experiência cheia de incertezas com entraves que não passavam despercebidos. Continuava sentada numa sala rodeada de crianças ouvintes, não escondia o nervorsismo e ao mesmo tempo duvidava imenso e disse a mim própria "como conseguirei comunicar?", foi um grande problema pois não havia maneira de perceber aquilo tudo...
Continuavam a falar comigo mesmo que não os entendesse pois falavam a uma velocidade interminável, perguntavam o que tinha nos ouvidos até mexiam, eu tentando desviar o mais rapidamente possivel, é evidente que não gostei da atitude e não conseguia nem sair uma palavra da boca para que me deixassem em paz, e como tinha medo de ser rejeitada eu sabia se dissesse alguma coisa não iam entender nada, iriam de certeza rir de mim!
Um dia depois os colegas viram-me e dizeram bom dia, desta vez tinha percebido e respondi na mesma moeda, viraram as suas cabeças e olharam para mim com a voz irrequieta:
-Tu sabes falar!
- Sim sei e depois?
- Nunca viram uma pessoa surda a falar? Grande novidade sei falar, até já!
Entramos ambos na aula todos caladinhos, quando a stôra decidiu dar-nos uma palestra de perguntas houve um que levantou o dedo e fez inumeras perguntas:
- Professora como é que a Memorex consegue falar se não ouve?
- Esta menina aqui não ouve muito bem como vocês porque perdeu a audição, mas fala como vocês mas não muito bem, como ela tem apoio de terapia da fala, foi ai que aprendeu a falar...
- Mais alguma coisa?
-Sim, o que ela tem nos ouvidos?
-Ah... o que ela tem nos ouvidos chama-se aparelho é aonde permite ouvir os sons, ruídos, mais alguma coisa meninos?
- Sim, como podemos falar com ela?
- Podem falar normalmente como vocês falam para outros, mas muito devagar para que ela possa ler os vossos lábios sem dificuldades.
Continuava não perceber os lábios sincronizados na esperança de obter uma afirmação da palavra para saber de que assunto estavam a conversar, nesse instante todos olhavam para mim com uma cara super esquisita e cheia de espanto, encolhi os ombros e desviei a minha visão para outras direcções porque detesto quando me olham fixamente, é-me incomodativo!
Nas duas semanas que passaram foi dificil, ainda não tinha o entrosamento dos colegas nem sequer da professora que mostrava cada vez mais preocupada pelo meu desenvolvimento na aula, convocado uma reunião de emergência com os meus pais desse modo entender ás minhas necessidades.
Após a reunião tive fazer os trabalhos ao lado da professora onde me ensinava escrever, ler, fazer ditados, fazer contas da tabuada e outras coisas pura e simplesmente inerentes á actividade escolar.
A única recompensa que recebia no fim da aula mandava-me trabalhos de casa mais o dobro dos meus colegas que tinha de fazer... foi o melhor que poderia ter feito a mim, a professora estava determinada que eu conseguiria acabar o quarto ano sem repetições!

2 comentários:

Anónimo disse...

Bonjour...

SilenceBox disse...

Gostei muito de ler este post. Tal como tu, também fui a única surda integrada numa turma de ouvintes. A minha entrada também não foi fácil... Mais tarde, conto no meu blog. E, também, tinha o dobro de trabalhos de casa que os colegas ouvintes.
Ainda bem que estudaste no Ensino Regular, foi assim que te levou mais longe!
Realmente, temos episódios de Vida muito em comum!

Um grande abraço!