Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 2.5 Portugal License.

09 março, 2006

Queda Aparatosa


Tinha-se transcorrido o período dos aguaceiros, os dias das nuvens acinzentadas e turbulentos vendavais cuspiam selvaticamente relâmpagos. Odiava a sensibilidade do frio gélido, que violava o pacto de imunidade permanecido impetuosamente dentro do meu corpo de juvenilidade.
O encanto da Primavera florescia na fragrância de um aroma perfumado, na fidelidade da Roda de vida. A grande Roda que inspira naturalmente a sua cadência, e rejuvenesce os descampados verdejantes de roedores, de aves rapinas audaciosas a voarem docemente sem fronteiras.
Borboletas de asas coloridas irradiando toda a sua pureza, é impressionante o caudal artístico que as imana, uma aura intacta.
Bem-aventurada, pego na bicicleta de mudanças e desço cuidadosamente das escadas do prédio. Antes de partir, confirmo se os pneus têm ar, coloco os pés nos pedais e começo andar devagarinho pela calçada.
Paro, olho nos dois lados da estrada e sigo em frente. Vou pedalando na corrente do trilho e descubro um novo acaso: o bairro mostra incredulamente a ambiguidade de duas realidades intemporais, a vila antiga e a cidade nova.
A desconformidade do inexplorado impressionou-me na subtileza ilustrada de uma década que os separam, do passado e ao mesmo tempo da actualidade, levando-me para um mundo abundamente incoerente.
Mais adiante, antevejo uma rampa obliqua num ângulo aproximadamente 120ª graus e poderia dizer com toda a certeza, é a minha descida preferida na dualidade acromática. Liderava o velocípede de duas rodas como se tivesse labaredas nos pedais e o gosto pela velocidade mexia comigo!
O sentir da brisa a tocar na face, o comando na orientação das rodas apressadas e o instinto avisava-me para abrandar, a sensação era de um êxtase inabalável! Neguei voluntariamente da advertência que não deu para evitar o perigo. O percurso da rampa tinha chegado ao fim, logo à frente existia uma curva apertada, inesperadamente aparece um carro na minha direcção! Desesperada, sem pensar muito bem o que fazer, travo bruscamente na roda traseira, sou arrasada pela estrada no bom sentido do equilíbrio, mas em vão! Tento outra maneira, viro a bicicleta para esquerda e pouso os pés no chão ajudando-me travar, poeiras elevam-se e sou tombada aos solavancos, tornando a minha queda imperecível no defeito do meu cálculo prudente.
Vi-me a ser disparada do ar para o pavimento, tento proteger a cabeça com as mãos e braços entrelaçados, apercebo de imediato nos golpes rasgados.
Calças esfarrapadas, joelhos esfolados e braços maltratados, elevo-me atordoada de dor e por mais incrível que pareça a bicicleta encontrava-se inteira!
As pessoas correm em meu auxílio, mas não percebo o que elas dizem, só leio pequenas sílabas: "Estás bem?". Bastou-me dizer sim, agarrei na bicicleta e fui para casa cheia de remorsos.
A memória perpetua-se até hoje na extremidade das minhas cicatrizes, quando olho para elas na suspensão da ocorrência acidental, e por falar em acasos não acredito em coincidências, apenas na circunstância que nos levam a ditar um momento. Se voltasse atrás, travava e a coincidência já não fazia qualquer sentido.
Ai, a minha juventude!
P.S- Feliz Dia da Mulher para quem aparece no blog, os meus votos atrasados.

13 comentários:

Anónimo disse...

Mal se a juventude não tivesse a minima cicatriz memorex...
A minha tb tem e de bicicleta tb...
Um beijinho memorex ;)
tem um bom dia ;)

sandra disse...

Olá..

Texto excelente, conseguiste descrever na perfeição, sentimentos, sensações, imagens, acontecimentos..tudo!

beijinhos
Sandra

SilenceBox disse...

Querida memorex!!!
Adorei ler!Andas a escrever muito bem que me deixa em suspensão, de queixo caido, deslumbrada e encantada! Também tens veia para a escrita.
Tive sensação de estar dentro de ti, a sentir o que sentiste... Sentir esta adrenalina na pele é tão bom, sim... É inevitável. E depois apanhei um grande susto!
Continua a escrever! =)
Feliz Dia da Mulher!
Um grande e carinhoso abraço para ti querida!!!

Anónimo disse...

Sou lagarto desde que naci,
mas á que haver desportivismo ;) lllolll

Não estou a contar com energias negativas n minha vida,faço apenas por me sentir bem...
vivendo calmamente ;)
Um beijinho memorex ;)

Anónimo disse...

Tem um bom fim de semana ;)
um beijinho memorex ;)

Avó do Miau disse...

Um excelente blog, o qual prestarei muito mais atenção a partir de agora!
Um abraço,
Daniela.

Jorge Moreira disse...

Olá Memorex!
Efectivamente não há coincidências!
Bom texto. Vive-se ao lê-lo.
Beijinhos e um bom fim de semana

Novos Caminhos a Percorrer disse...

Adoro textos deste estilo, e gostei muito da descrição. Aguardo outros :)
Cumprimentos :)
Juan

Anónimo disse...

Mas que suspense, Memorex! Quase que caí contigo :-), tal a vivacidade da descrição. Olha, a fotografia está espectacular. Foste tu que a tiraste?
Um beijinho e bom fim de semana.

Isabel Filipe disse...

....uma maravilha de texto...e inmagino o susto que não terás apanhado...

sabes uma coisa?...nunca andei de bicicleta...

bom fim de semana e beijokas para ti

Anónimo disse...

Uma escrita afável...palavras lapidadas com mestria deixando transparecer emoções e sensações profundas. Beijnhos e bom fim de semana :)

Anónimo disse...

Quando o amor fala mais alto e a vida, em sua sede de viver
não mais nos afigura lágrimas de sonhos irrealizados, irrealizáveis.


Quando a paz percebida já não se encontra tão longe, no abandono
de nós em nós.


Quando a força, abatida na fraqueza dos embates diários, em
momentos não vividos, retorna.


Quando a esperança, desesperança do sofrimento,
acolhe-nos em seus braços, fazendo-nos crer que há algo
além, sutil !


É o começo que se anuncia do merecido viver
longe das feridas que nos marcaram para sempre, cicatrizes
de nós mesmos; como também, a esperança nascida das
cinzas do recomeço...

Anónimo disse...

Tem uma boa semana memorex ;)
Um beijinho ;)